Conflitos e disputas
Há autores que sustentam que uma disputa existe quando uma pretensão é rejeitada integral ou
parcialmente, tornando‑se parte de uma lide quando se envolvem direitos e recursos que poderiam ser
deferidos ou negados em juízo25. De definições como essa, sugere‑se que há uma distinção técnica entre
uma disputa e um conflito na medida em que alguns autores sustentam que uma disputa somente existe
depois de uma demanda ser proposta. “Um conflito se mostra necessário para a articulação de uma
demanda. Um conflito, todavia, pode existir sem que uma demanda seja proposta. Assim, apesar de uma
disputa não poder existir sem um conflito, um conflito pode existir sem uma disputa”
Em termos coloquiais, conflito refere‑se a um desentendimento – a expressão ou manifestação de um
estado de incompatibilidade. Nesse sentido, segundo o principal dicionário de resolução de conflitos da
atualidade, organizado pelo Prof. Douglas Yarn, um conflito seria sinônimo de uma disputa. Vale ressaltar
que há autores de grande destaque internacional, como o Prof. Morton Deutsch, que tratam os dois
conceitos como sinônimos. No entanto, a maior parte da doutrina tende a realizar a distinção acima transcrita. Para efeitos do presente manual, considerou‑se que a prática deve prevalecer sobre a semântica. Discussões teóricas em que dogmas são criados sobre “conflito e disputa” e se estas devem ser “resolvidas ou dissolvidas” não são relevantes a ponto de se recomendar o dispêndio de muito tempo acerca dessas questões.
Espirais de conflito Para alguns autores como Rubin e Kriesberg, há uma progressiva escalada, em relações conflituosas, resultante de um círculo vicioso de ação e reação. Cada reação torna‑se mais severa do que a ação que a precedeu e cria uma nova questão ou ponto de disputa.
Esse modelo, denominado de espirais de conflito, sugere que com esse crescimento (ou escalada) do
conflito, as suas causas originárias progressivamente tornam‑se secundárias a partir do momento em que os envolvidos mostram‑se mais preocupados em responder a uma ação que imediatamente antecedeu sua
reação. Por exemplo, se em um dia de congestionamento, determinado motorista sente‑se ofendido ao ser cortado por outro motorista, sua resposta inicial consiste em pressionar intensamente a buzina do seu veículo. O outro motorista responde também buzinando e com algum gesto descortês.
O primeiro motorista continua a buzinar e responde ao gesto com um ainda mais agressivo.
O segundo, por sua vez, abaixa a janela e insulta o primeiro. Este, gritando, responde que o outro motorista deveria parar o carro e “agir como um homem”. Este, por sua vez, joga uma garrafa de água no outro veículo. Ao pararem os carros em um semáforo, o motorista cujo veículo foi atingido pela garrafa de água sai de seu carro e chuta a carroceria do outro automóvel. Nota‑se que o conflito desenvolveu‑se em uma espiral
de agravamento progressivo das condutas conflituosas. No exemplo citado, se houvesse um policial militar
perto do último ato, este poderia ensejar um procedimento de juizado especial criminal.
Em audiência, possivelmente o autor do fato indicaria que seria, de fato, a vítima; e, de certa forma, estaria
falando a verdade uma vez que nesse modelo de espiral de conflitos ambos são, ao mesmo tempo, vítima e
ofensor ou autor do fato.
Processos construtivos e destrutivos
O processualista mexicano Zamorra Y Castillo sustentava que o processo rende, com frequência, muito
menos do que deveria – em “função dos defeitos procedimentais, resulta muitas vezes lento e custoso,
fazendo com que as partes quando possível, o abandonem”
Cabe acrescentar a esses “defeitos procedimentais” o fato de que, em muitos casos, o processo judicial
aborda o conflito como se fosse um fenômeno jurídico e, ao tratar exclusivamente daqueles interesses
juridicamente tutelados, exclui aspectos do conflito que são possivelmente tão importantes quanto ou até
mais relevantes do que aquele juridicamente tutelados.
Quanto a esses relevantes aspectos do conflito, Morton Deutsch, em sua obra The Resolution of Conflict:
Constructive and Destructive Processes, apresentou importante classificação de processos de resolução de
disputas ao indicar que esses podem ser construtivos ou destrutivos. Para Deutsch, um processo destrutivo
se caracteriza pelo enfraquecimento ou rompimento da relação social preexistente à disputa em razão da
forma pela qual esta é conduzida. Em processos destrutivos há a tendência de o conflito se expandir ou
tornar‑se mais acentuado no desenvolvimento da relação processual. Como resultado, tal conflito
frequentemente torna‑se “independente de suas causas iniciais29”, assumindo feições competitivas nas
quais cada parte busca “vencer” a disputa e decorre da percepção, muitas vezes errônea, de que os
interesses das partes não podem coexistir. Em outras palavras, as partes quando em processos destrutivos
de resolução de disputas concluem tal relação processual com esmaecimento da relação social preexistente
à disputa e acentuação da animosidade decorrente da ineficiente forma de endereçar o conflito.
Por sua vez, processos construtivos, segundo Deutsch, seriam aqueles em razão dos quais as partes
concluiriam a relação processual com um fortalecimento da relação social preexistente à disputa. Para esse
professor, processos construtivos caracterizam‑se:
pela capacidade de estimular as partes a desenvolverem soluções criativas que permitam a compatibilização dos interesses aparentemente contrapostos; pela capacidade de as partes ou do condutor do processo (e.g. magistrado ou mediador) motivarem todos os envolvidos para que prospectivamente resolvam as questões sem atribuição de culpa; pelo desenvolvimento de condições que permitam a reformulação das questões diante de eventuais impasses e pela disposição de as partes ou do condutor do processo a abordar, além das questões | |
das partes. Em outros termos, partes quando em processos construtivos de resolução de disputas
concluem tal relação processual com fortalecimento da relação social preexistente à disputa e,
em regra, robustecimento do conhecimento mútuo e empatia.
Assim, retornando ao conceito de Zamora Y Castillo, processualista mexicano do início do século XX, o
processo [judicial], de fato, rende com frequência menos do que poderia. Em parte porque se direciona, sob
seu escopo social à pacificação, fazendo uso, na maioria as vezes, de mecanismos destrutivos de resolução
de disputas a que tal autor denominou “defeitos procedimentais”. Diante disso, pode‑se afirmar que há
patente necessidade de novos modelos que permitam que as partes possam, por intermédio de um
procedimento participativo, resolver suas disputas construtivamente ao fortalecer relações sociais,
identificar interesses subjacentes ao conflito, promover relacionamentos cooperativos, explorar estratégias
que venham a prevenir ou resolver futuras controvérsias, e educar as partes para uma melhor compreensão
recíproca.
A discussão acerca da introdução de mecanismos que permitam que os processos de resolução de disputas
tornem‑se progressivamente construtivos necessariamente deve ultrapassar a simplificada e equivocada
conclusão de que, abstratamente, um processo de resolução de disputas é melhor do que outro. Devem ser
desconsideradas também soluções generalistas como se a mediação ou a conciliação fossem panaceias para
um sistema em crise. Dos resultados obtidos no Brasil, conclui‑se que não há como impor um único
procedimento autocompositivo em todo território nacional ante relevantes diferenças nas realidades fáticas
(fattispecie35) em razão das quais foram elaboradas.
Diante da significativa contribuição de Morton Deutsch ao apresentar o conceito de processos construtivos
de resolução de disputas, pode‑se afirmar que ocorreu alguma recontextualização acerca do conceito de
conflito ao se registrar que este é um elemento da vida que inevitavelmente permeia todas as relações
humanas e contém potencial de contribuir positivamente nessas relações. Nesse espírito, se conduzido
construtivamente, o conflito pode proporcionar crescimento pessoal, profissional e organizacional. A
abordagem do conflito – no sentido de que este pode, se conduzido com técnica adequada, ser um
importante meio de conhecimento, amadurecimento e aproximação de seres humanos – impulsiona
também relevantes alterações quanto à responsabilidade e à ética profissional.
Constata‑se que, atualmente, em grande parte, o ordenamento jurídico processual, que se dirige
predominantemente à pacificação social, organiza‑se, segundo a ótica de Morton Deutsch, em torno de
processos destrutivos lastreados, em regra, somente no direito positivo. As partes, quando buscam auxílio
do Estado para solução de seus conflitos, frequentemente têm o conflito acentuado ante procedimentos que
abstratamente se apresentam como brilhantes modelos de lógica jurídica‑processual – contudo, no
cotidiano, acabam por muitas vezes se mostrar ineficientes na medida em que enfraquecem os
relacionamentos sociais preexistentes entre as partes em conflito. Exemplificativamente, quando um juiz de
direito sentencia determinando com quem ficará a guarda de um filho ou os valores a serem pagos a título
de alimentos, põe fim, para fins do direito positivado, a um determinado litígio; todavia, além de não
resolver a relação conflituosa, muitas vezes acirra o próprio conflito, criando novas dificuldades para os pais
e para os filhos. Torna‑se claro que o conflito, em muitos casos, não pode ser resolvido por abstrata
aplicação da técnica de subsunção. Ao examinar quais fatos encontram‑se presentes para em seguida indicar
o direito aplicável à espécie (subsunção) o operador do direito não pode mais deixar de fora o componente
fundamental ao conflito e sua resolução: o ser humano.
OBS: As referências podem ser encontradas no original em: https://bit.ly/
em regra, robustecimento do conhecimento mútuo e empatia.
Assim, retornando ao conceito de Zamora Y Castillo, processualista mexicano do início do século XX, o
processo [judicial], de fato, rende com frequência menos do que poderia. Em parte porque se direciona, sob
seu escopo social à pacificação, fazendo uso, na maioria as vezes, de mecanismos destrutivos de resolução
de disputas a que tal autor denominou “defeitos procedimentais”. Diante disso, pode‑se afirmar que há
patente necessidade de novos modelos que permitam que as partes possam, por intermédio de um
procedimento participativo, resolver suas disputas construtivamente ao fortalecer relações sociais,
identificar interesses subjacentes ao conflito, promover relacionamentos cooperativos, explorar estratégias
que venham a prevenir ou resolver futuras controvérsias, e educar as partes para uma melhor compreensão
recíproca.
A discussão acerca da introdução de mecanismos que permitam que os processos de resolução de disputas
tornem‑se progressivamente construtivos necessariamente deve ultrapassar a simplificada e equivocada
conclusão de que, abstratamente, um processo de resolução de disputas é melhor do que outro. Devem ser
desconsideradas também soluções generalistas como se a mediação ou a conciliação fossem panaceias para
um sistema em crise. Dos resultados obtidos no Brasil, conclui‑se que não há como impor um único
procedimento autocompositivo em todo território nacional ante relevantes diferenças nas realidades fáticas
(fattispecie35) em razão das quais foram elaboradas.
Diante da significativa contribuição de Morton Deutsch ao apresentar o conceito de processos construtivos
de resolução de disputas, pode‑se afirmar que ocorreu alguma recontextualização acerca do conceito de
conflito ao se registrar que este é um elemento da vida que inevitavelmente permeia todas as relações
humanas e contém potencial de contribuir positivamente nessas relações. Nesse espírito, se conduzido
construtivamente, o conflito pode proporcionar crescimento pessoal, profissional e organizacional. A
abordagem do conflito – no sentido de que este pode, se conduzido com técnica adequada, ser um
importante meio de conhecimento, amadurecimento e aproximação de seres humanos – impulsiona
também relevantes alterações quanto à responsabilidade e à ética profissional.
Constata‑se que, atualmente, em grande parte, o ordenamento jurídico processual, que se dirige
predominantemente à pacificação social, organiza‑se, segundo a ótica de Morton Deutsch, em torno de
processos destrutivos lastreados, em regra, somente no direito positivo. As partes, quando buscam auxílio
do Estado para solução de seus conflitos, frequentemente têm o conflito acentuado ante procedimentos que
abstratamente se apresentam como brilhantes modelos de lógica jurídica‑processual – contudo, no
cotidiano, acabam por muitas vezes se mostrar ineficientes na medida em que enfraquecem os
relacionamentos sociais preexistentes entre as partes em conflito. Exemplificativamente, quando um juiz de
direito sentencia determinando com quem ficará a guarda de um filho ou os valores a serem pagos a título
de alimentos, põe fim, para fins do direito positivado, a um determinado litígio; todavia, além de não
resolver a relação conflituosa, muitas vezes acirra o próprio conflito, criando novas dificuldades para os pais
e para os filhos. Torna‑se claro que o conflito, em muitos casos, não pode ser resolvido por abstrata
aplicação da técnica de subsunção. Ao examinar quais fatos encontram‑se presentes para em seguida indicar
o direito aplicável à espécie (subsunção) o operador do direito não pode mais deixar de fora o componente
fundamental ao conflito e sua resolução: o ser humano.
OBS: As referências podem ser encontradas no original em: https://bit.ly/
1. O que são processos construtivos?
Para Deutsch, um processo destrutivo se caracteriza pelo enfraquecimento ou rompimento
da relação social preexistente à disputa em razão da forma pela qual esta é conduzida. Em
processos destrutivos há a tendência de o conflito se expandir ou tornar‑se mais acentuado
no desenvolvimento da relação processual.
2. Enumere três características de processos construtivos.
juridicamente tuteladas, todas e quaisquer questões que estejam influenciando a
relação (social) das partes.
3. O que são espirais de conflito?
É uma progressiva escalada, em relações conflituosas, resultante de um círculo vicioso de
ação e reação. Cada reação torna‑se mais severa do que a ação que a precedeu e cria
uma nova questão ou ponto de disputa. Esse modelo, denominado de espirais de conflito,
sugere que com esse crescimento (ou escalada) do conflito, as suas causas originárias
progressivamente tornam‑se secundárias a partir do momento em que os envolvidos
mostram‑se mais preocupados em responder a uma ação que imediatamente antecedeu
sua reação.
Qual a importância de se compreender a escalada de conflitos?
A importância diz respeito a reconhecer que as soluções de conflitos podem levar ao
reconhecimento do causado originário da demanda para apaziguar o conflito, tornando a
mediação ou arbitragem pontual.
Para Deutsch, um processo destrutivo se caracteriza pelo enfraquecimento ou rompimento
da relação social preexistente à disputa em razão da forma pela qual esta é conduzida. Em
processos destrutivos há a tendência de o conflito se expandir ou tornar‑se mais acentuado
no desenvolvimento da relação processual.
2. Enumere três características de processos construtivos.
capacidade de estimular as partes a desenvolverem soluções criativas que permitam a compatibilização dos interesses aparentemente contrapostos; capacidade de as partes ou do condutor do processo (e.g. magistrado ou mediador) motivarem todos os envolvidos para que prospectivamente resolvam as questões sem atribuição de culpa; desenvolvimento de condições que permitam a reformulação das questões diante de eventuais impasses e disposição de as partes ou do condutor do processo a abordar, além das questões | |
relação (social) das partes.
3. O que são espirais de conflito?
É uma progressiva escalada, em relações conflituosas, resultante de um círculo vicioso de
ação e reação. Cada reação torna‑se mais severa do que a ação que a precedeu e cria
uma nova questão ou ponto de disputa. Esse modelo, denominado de espirais de conflito,
sugere que com esse crescimento (ou escalada) do conflito, as suas causas originárias
progressivamente tornam‑se secundárias a partir do momento em que os envolvidos
mostram‑se mais preocupados em responder a uma ação que imediatamente antecedeu
sua reação.
Qual a importância de se compreender a escalada de conflitos?
A importância diz respeito a reconhecer que as soluções de conflitos podem levar ao
reconhecimento do causado originário da demanda para apaziguar o conflito, tornando a
mediação ou arbitragem pontual.