terça-feira, 20 de outubro de 2020

INTERVALOS NA JORNADA DE TRABALHO NÃO PREVISTOS EM LEI

 Há outra situação que caracteriza tempo à disposição do empregador, que é a concessão de intervalos não previstos em lei.

Quando o intervalo é previsto em lei, como o intervalo intrajornada para refeição e descanso previsto no artigo 71 da CLT, o tempo do intervalo não é computado na jornada de trabalho. Porém, se o empregador concede intervalo que não está previsto em lei, como por exemplo, intervalo de 15 minutos para lanche, trata-se de mera liberalidade e corresponde a tempo à disposição do empregador, sendo, portanto, computado como jornada de trabalho.

Então, se o empregador concede esse intervalo de 15 minutos não previsto em lei e não computa este tempo na jornada, acrescendo-o ao final (por exemplo: o horário de saída seria às 18h00, mas como teve intervalo, o horário de saída será às 18h15), então, neste caso, esses 15 minutos deverão ser pagos como labor extraordinário (horas extras).

Súmula 118, TST - Os intervalos concedidos pelo empregador na jornada de trabalho, não previstos em lei, representam tempo à disposição da empresa, remunerados como serviço extraordinário, se acrescidos ao final da jornada.

Veja, por exemplo, este caso veiculado no Informativo nº 151 do TST, em que a empresa concedia, por mera liberalidade, duas pausas de 10 minutos para lanche e teve que pagar esses minutos como hora extra:

Horas extras. Concessão de dois períodos de intervalo para café. Acréscimo ao final da jornada. Tempo à disposição do empregador. Aplicação da Súmula nº 118 do TST. Os dois intervalos de dez minutos cada, concedidos como pausa para café, não integram o intervalo intrajornada de uma hora e, sendo acrescidos ao final da jornada, configuram tempo à disposição do empregador. Incidência da Súmula nº 118 do TST. Na espécie, o empregado cumpria jornada de 6:00h às 15:20h, de segunda a sexta, com uma hora de intervalo para almoço e duas pausas de dez minutos. Assim, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, deu-lhe provimento para restabelecer o acórdão do Regional, o qual manteve a sentença que reconheceu o direito ao cômputo dos dois intervalos para café na jornada de trabalho, sob o fundamento de que as pausas não previstas em lei representam tempo à disposição e devem ser acrescidas à jornada para serem consideradas na contagem das horas extras, a teor da Súmula n° 118 do TST. (TST-E-ED-RR-2034-49.2012.5.15.0077, SBDI-I, relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, 2.2.2017).

Agora, conheceremos situações que não são computadas na jornada.

Tempo residual

O tempo residual à disposição do empregador se relaciona a pequenos intervalos de tempo em que o empregado estaria aguardando a marcação do ponto. É um tempo que não é computado na jornada e também não é descontado

Art. 58, § 1o, CLT - Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários.

Note que há dois limites: 5 minutos por marcação e 10 minutos por dia. Se algum destes limites for extrapolado, toda a variação será acrescentada na jornada de trabalho ou descontada, conforme o caso.


Exemplo 1 = Severino trabalhou hoje 5 minutos além do horário. Ele vai receber hora extra por isso? Não! Da mesma forma, quando ele chega 5 minutos atrasado, este tempo também não é descontado. É como se houvesse uma “tolerância” de 5 minutos em cada marcação de ponto. 

Exemplo 2 = Severino marcou o ponto 5 minutos antes do horário normal. Este período não será computado como jornada extraordinária. Porém, se, ao sair, ele marcar o ponto 6 minutos após o horário normal, então serão computados os 11 minutos como jornada extraordinária (5 minutos na entrada + 6 minutos na saída). Se, na saída, o tempo a mais também fosse de 5 minutos, totalizaria 10 minutos e estaria dentro dos limites fixados no artigo 58, § 1º, da CLT, que é de 05 minutos em cada marcação e 10 minutos no total. Deste modo, não haveria cômputo de labor extraordinário.

Sobre este artigo, destaca-se a Súmula 449 do TST, que informa que uma norma coletiva (acordo ou convenção coletiva) não pode estender essa tolerância de 5 minutos.

Súmula 449,TST - A partir da vigência da Lei nº 10.243, de 19.06.2001, que acrescentou o § 1º ao art. 58 da CLT, não mais prevalece cláusula prevista em convenção ou acordo coletivo que elastece o limite de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras.

Então, se o empregado passar de 5 minutos além de seu horário normal em cada marcação de ponto, aguardando ou executando ordens, este período será computado como hora extra. 



JORNADA DO TRABALHO

 Diferenciação

Muitas vezes, a expressão “jornada” é utilizada como sinônimo de “duração do trabalho”. Porém, são expressões com significados diferentes. Veja:

 Duração do trabalho é uma expressão mais ampla, que abrange parâmetros distintos (dia, semana, mês). Exemplo: a duração do trabalho de Severino é de segunda a sexta-feira, das 08h00 às 17h00, com 01 hora de intervalo.

 jornada de trabalho, por sua vez, corresponde ao lapso temporal diário em que o empregado se coloca à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, em cumprimento ao contrato de trabalho que os vincula. A origem da palavra jornada significa justamente “dia” (em italiano, giorno; em francês, jour). Exemplo: a jornada de Severino é de 08 horas.

Há, ainda, a expressão “horário de trabalho”, que corresponde aos horários de início e fim da jornadaExemplo: o horário de trabalho de Severino é das 08h00 às 17h00.

Enquanto está cumprindo sua jornada de trabalho, o empregado faz jus a receber o pagamento correspondente. Então, é muito importante saber delimitar o que é que compõe a jornada.

A seguir, vamos conhecer situações que são computadas na jornada e outras que, embora o empregado esteja no local de trabalho, não serão computadas na jornada. 

Composição da jornada

Os principais critérios para fixação da jornada são:


Tempo efetivamente trabalhado e tempo à disposição

O artigo 4º da CLT informa os principais parâmetros de composição da jornada:

Art. 4º, CLT - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada. 

tempo de serviço efetivo corresponde ao tempo em que o empregado está efetivamente trabalhando. Exemplo: Severino é vendedor em uma loja e, quando está atendendo clientes para a realização de vendas, está efetivamente prestando serviços.

E se a loja estiver vazia e não houver nenhum serviço para ser realizado? Ainda que não haja serviço a ser feito, Severino deve permanecer no local de trabalho, aguardando outros clientes ou aguardando ordens de seu empregador. Durante aquele período, ele não estava vendendo, mas estava à disposição do empregador.

Então, considera-se que o empregado está em efetivo exercício, isto é, à disposição do empregador, quando está aguardando ou executando ordens.



sábado, 17 de outubro de 2020

CONSTITUIÇÃO : ESTRUTURA

 Saiba que, estruturalmente, nossa Constituição pode ser dividida em três partes: 

(i) preâmbulo;

(ii) parte permanente (ou parte dogmática) e 

(iii) ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). 

Vamos aprender um pouco sobre cada um desses fragmentos. 

O preâmbulo é a 1ª parte que você nota na Constituição. Ele vem antes do primeiro artigo e diz o seguinte:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 

De largada, preciso que você conheça o entendimento do STF sobre o preâmbulo: ele não é uma norma jurídica, não é uma norma constitucional. Representa um “recado” do legislador constituinte a nós, que somos os destinatários da Constituição. Ele vem antes do texto constitucional, como se fosse uma “carta de intenções” que resume as posições ideológicas (os valores e as intenções) do Poder Constituinte Originário (que é o poder que faz, que elabora, a Constituição). Sua importância é histórica, de guia/diretriz interpretativa. 

Como nossa Corte Suprema (o STF) já definiu que o preâmbulo não é norma constitucional, como responder as seguintes perguntas que podem ser feitas pelo examinador? 

(i) Uma lei que violar o preâmbulo da Constituição Federal pode ser considerada inconstitucional?

- Não. Afinal, se o preâmbulo não é uma norma jurídica, ele não pode ser considerado uma norma constitucional. Logo, ele não serve de parâmetro (de paradigma) para a declaração de inconstitucionalidade de uma lei. Pensemos em uma situação que pode ser criada pelo examinador em prova: uma Lei Estadual X determina que está proibida a utilização de símbolos religiosos em repartições públicas; o Governador do Estado ajuíza uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no STF, argumentando que a Lei X desobedece o preâmbulo da Constituição Federal, pois o Preâmbulo da CF diz que o texto constitucional foi promulgado “sob a proteção de Deus”. Claro que o STF não vai considerar a Lei Estadual X inconstitucional por violação do preâmbulo da CF, pois ele não é uma norma constitucional que tenha que ser estritamente obedecida.   

(ii) O preâmbulo é norma de repetição obrigatória para as demais esferas da federação? Ou seja: os preâmbulos das Constituições estaduais devem reproduzir o preâmbulo da Constituição Federal? 

- O STF diz que não. Afinal, se ele não é norma jurídica, não vincula as Constituições estaduais. Isso significa que os preâmbulos das Constituições estaduais podem ser diferentes. 

Para você ter informações adicionais que vão lhe ajudar a gravar a posição do STF sobre o preâmbulo da nossa Constituição Federal, vou lhe contar um caso muito interessante que envolveu o preâmbulo da Constituição do Acre. 

Em 1999, o Partido Social Liberal (PSL), ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (a ADI 2076) contra o preâmbulo da Constituição do Acre, pois ele (na época) não trazia a expressão “sob a proteção de Deus”. O partido alegava que o preâmbulo da Constituição do Acre ofendia o preâmbulo da Constituição Federal, que traz a expressão. Aliás, dizia o PSL, essa “omissão” da Constituição do Estado o tornava “o único no país privado de ficar sob a proteção de Deus”.

Ao julgar a ADI, o STF entendeu que o preâmbulo da Constituição Federal não cria direitos e deveres, nem tem força normativa, refletindo apenas a posição ideológica do Poder Constituinte Originário. “O preâmbulo, portanto, não contém norma jurídica”, disse o ministro relator da ação, Carlos Velloso.

Desta forma, o STF firmou o entendimento de que o preâmbulo da Constituição do Acre, ao não usar a expressão “sob a proteção de Deus”, não estava violando a Constituição Federal. Só não invocava a proteção de Deus, mas tudo bem, pois essa frase posta no preâmbulo da Constituição Federal somente reflete um sentimento religioso do Poder Constituinte Originário.

Agora vamos à parte permanente (ou dogmática) da Constituição: ela representa o texto constitucional propriamente dito e se inicia no art. 1° e vai até o 250. São os artigos que organizam o Estado, estruturam os Poderes e estabelecem os direitos e as garantias fundamentais. Essa parte é chamada de “permanente” não porque esses artigos sejam imutáveis e não possam ser modificados: eles podem sim ser alterados por meio das emendas constitucionais feitas pelo Poder Derivado Reformador. O nome dessa parte (“permanente”) foi dado justamente para diferencia-la do último fragmento da Constituição, que é a parte transitória. 

A parte transitória da Constituição é chamada de ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Seu intuito é o de facilitar a passagem de uma ordem jurídica antiga para a nova. Numa metáfora, é como se o ADCT fosse um “colchão”, que vai amortecer essa mudança de uma Constituição para outra, facilitando o processo de substituição de quando do advento de uma nova Constituição, garantindo a segurança jurídica e evitando o colapso entre um ordenamento jurídico e outro. Suas normas são formalmente constitucionais, embora, no texto da CF/88, apresente numeração própria (vejam ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Assim como a parte dogmática, a parte transitória pode ser modificada por reforma constitucional. Além disso, também pode servir como paradigma para o controle de constitucionalidade das leis.



PIRAMIDE DE KELSEN

 


Essa estrutura é conhecida como “pirâmide de Kelsen” (Hans Kelsen é um dos juristas mais importantes da história da Teoria do Direito, tendo escrito em 1934 uma obra que é referência mundial no assunto, chamada “Teoria Pura do Direito”).  Ela foi pensada pelo professor austríaco para explicitar a ideia de que existe hierarquia entre as normas que integram o ordenamento jurídico, vale dizer, as normas não têm a mesma importância e, por isso, não podem ser colocadas no mesmo patamar (no mesmo plano). Assim, existirão normas que serão superiores e normas que serão inferiores. As inferiores são consideradas normas fundadas pelas superiores (que, por isso, são chamadas de fundantes) e delas retiram seu fundamento de validade, sua razão de existir.

PERDA DA NACIONALIDADE

 Talvez você não saiba disso, mas brasileiros natos e naturalizados podem perder nossa nacionalidade. Ficou espantado? Pois é! Muitos desconhecem essa regra descrita no art. 12, § 4º, CF/88.

Façamos a leitura do dispositivo constitucional e, depois, vou explica-lo melhor: 


Art. 12(...)

§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: 

I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; 

II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994) 

a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994) 

b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis; (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)


Você deve ter notado, após a leitura, que nossa Constituição regulamenta a perda da nacionalidade brasileira. De início, é bom frisar que essa perda somente poderá acontecer nas duas hipóteses exaustivamente previstas no texto constitucional. Senão vejamos:

(i) Perda-punição: prevista no inciso I, é uma hipótese que só atinge brasileiros naturalizados. Neste caso, será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional. 

(ii) Perda-mudança: prevista no inciso II, será declarada quando o brasileiro (nato ou naturalizado), voluntariamente, adquirir outra nacionalidade. Afinal, aquele que adquire outra nacionalidade por meio de uma naturalização voluntária, pratica ato de traição e deslealdade com nossa pátria. Mas calma! Essa regra não impede que os brasileiros tenham dupla nacionalidade. Ter outra nacionalidade, além da brasileira, é possível, desde que você a adquira nas situações que nossa Constituição autoriza. Em outras palavras, existem exceções à essa ideia central de que a aquisição de nova nacionalidade culmina na perda da nacionalidade brasileira, pois um brasileiro pode adquirir outra nacionalidade sem perdê-la, bastando que referida aquisição se dê em um dos seguintes cenários: (i) em recebimento de nacionalidade primária concedida pela lei estrangeira, ou (ii) seja fruto de imposição do Estado estrangeiro no qual o brasileiro reside como condição para que ele possa permanecer no território ou para exercer direitos civis.

Creio que os exemplos serão muito úteis aqui. Por isso, vamos a eles:

(i) Imagine que Marco Boldearinni, que é brasileiro nato por ter nascido em território nacional, seja filho de uma mãe brasileira e um pai italiano. Por determinação da Constituição da Itália, que prevê o critério sanguíneo para aquisição da nacionalidade italiana, ele tem direito a ser também italiano nato. Note que, nessa hipótese, é a lei estrangeira (legislação de outro país) que está reconhecendo à Marco uma outra nacionalidade originária. Se aceitá-la, ele não estará sendo desleal com nossa pátria (afinal, nenhuma pessoa escolhe a nacionalidade dos seus pais ou seu local de nascimento ou as regras que outro Estado Nacional adota para conceder nacionalidade). Desta forma, quando Marco adquirir a nacionalidade italiana, ele não se sujeitará à perda da nacionalidade brasileira, ficando com dupla nacionalidade (será um polipátrida, termo que aprendemos no início dessa aula). 

(ii) Imagine agora que a legislação do Estado “A” exija que uma certa pessoa estrangeira se naturalize para poder exercer naquele território em que ela reside o direito civil do casamento com um nacional daquele país. Ora, se não se naturalizar, não poderá se casar. Aí, o sujeito se naturaliza, mas não porque deseja trair sua pátria, mas sim porque quer exercer um direito civil e, para tanto, deve se submeter a essa imposição. Destarte, se esse indivíduo se naturalizar e adquirir a nacionalidade estrangeira, não se sujeitará à perda da nossa nacionalidade, ficando com uma dupla nacionalidade.