Saiba que, estruturalmente, nossa Constituição pode ser dividida em três partes:
(i) preâmbulo;
(ii) parte permanente (ou parte dogmática) e
(iii) ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).
Vamos aprender um pouco sobre cada um desses fragmentos.
O preâmbulo é a 1ª parte que você nota na Constituição. Ele vem antes do primeiro artigo e diz o seguinte:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
De largada, preciso que você conheça o entendimento do STF sobre o preâmbulo: ele não é uma norma jurídica, não é uma norma constitucional. Representa um “recado” do legislador constituinte a nós, que somos os destinatários da Constituição. Ele vem antes do texto constitucional, como se fosse uma “carta de intenções” que resume as posições ideológicas (os valores e as intenções) do Poder Constituinte Originário (que é o poder que faz, que elabora, a Constituição). Sua importância é histórica, de guia/diretriz interpretativa.
Como nossa Corte Suprema (o STF) já definiu que o preâmbulo não é norma constitucional, como responder as seguintes perguntas que podem ser feitas pelo examinador?
(i) Uma lei que violar o preâmbulo da Constituição Federal pode ser considerada inconstitucional?
- Não. Afinal, se o preâmbulo não é uma norma jurídica, ele não pode ser considerado uma norma constitucional. Logo, ele não serve de parâmetro (de paradigma) para a declaração de inconstitucionalidade de uma lei. Pensemos em uma situação que pode ser criada pelo examinador em prova: uma Lei Estadual X determina que está proibida a utilização de símbolos religiosos em repartições públicas; o Governador do Estado ajuíza uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no STF, argumentando que a Lei X desobedece o preâmbulo da Constituição Federal, pois o Preâmbulo da CF diz que o texto constitucional foi promulgado “sob a proteção de Deus”. Claro que o STF não vai considerar a Lei Estadual X inconstitucional por violação do preâmbulo da CF, pois ele não é uma norma constitucional que tenha que ser estritamente obedecida.
(ii) O preâmbulo é norma de repetição obrigatória para as demais esferas da federação? Ou seja: os preâmbulos das Constituições estaduais devem reproduzir o preâmbulo da Constituição Federal?
- O STF diz que não. Afinal, se ele não é norma jurídica, não vincula as Constituições estaduais. Isso significa que os preâmbulos das Constituições estaduais podem ser diferentes.
Para você ter informações adicionais que vão lhe ajudar a gravar a posição do STF sobre o preâmbulo da nossa Constituição Federal, vou lhe contar um caso muito interessante que envolveu o preâmbulo da Constituição do Acre.
Em 1999, o Partido Social Liberal (PSL), ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (a ADI 2076) contra o preâmbulo da Constituição do Acre, pois ele (na época) não trazia a expressão “sob a proteção de Deus”. O partido alegava que o preâmbulo da Constituição do Acre ofendia o preâmbulo da Constituição Federal, que traz a expressão. Aliás, dizia o PSL, essa “omissão” da Constituição do Estado o tornava “o único no país privado de ficar sob a proteção de Deus”.
Ao julgar a ADI, o STF entendeu que o preâmbulo da Constituição Federal não cria direitos e deveres, nem tem força normativa, refletindo apenas a posição ideológica do Poder Constituinte Originário. “O preâmbulo, portanto, não contém norma jurídica”, disse o ministro relator da ação, Carlos Velloso.
Desta forma, o STF firmou o entendimento de que o preâmbulo da Constituição do Acre, ao não usar a expressão “sob a proteção de Deus”, não estava violando a Constituição Federal. Só não invocava a proteção de Deus, mas tudo bem, pois essa frase posta no preâmbulo da Constituição Federal somente reflete um sentimento religioso do Poder Constituinte Originário.
Agora vamos à parte permanente (ou dogmática) da Constituição: ela representa o texto constitucional propriamente dito e se inicia no art. 1° e vai até o 250. São os artigos que organizam o Estado, estruturam os Poderes e estabelecem os direitos e as garantias fundamentais. Essa parte é chamada de “permanente” não porque esses artigos sejam imutáveis e não possam ser modificados: eles podem sim ser alterados por meio das emendas constitucionais feitas pelo Poder Derivado Reformador. O nome dessa parte (“permanente”) foi dado justamente para diferencia-la do último fragmento da Constituição, que é a parte transitória.
A parte transitória da Constituição é chamada de ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Seu intuito é o de facilitar a passagem de uma ordem jurídica antiga para a nova. Numa metáfora, é como se o ADCT fosse um “colchão”, que vai amortecer essa mudança de uma Constituição para outra, facilitando o processo de substituição de quando do advento de uma nova Constituição, garantindo a segurança jurídica e evitando o colapso entre um ordenamento jurídico e outro. Suas normas são formalmente constitucionais, embora, no texto da CF/88, apresente numeração própria (vejam ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Assim como a parte dogmática, a parte transitória pode ser modificada por reforma constitucional. Além disso, também pode servir como paradigma para o controle de constitucionalidade das leis.
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