Como instaurar um bom clima escolar em regiões vulneráveis
Experiências de três instituições públicas de ensino mostram que o diálogo é um caminho
eficaz nessa empreitada
Por: Anna Rachel Ferreira -25 de Março de 2019
Visualize o cenário: uma escola ao lado de um presídio, em uma região de baixo poder
aquisitivo em que pelo menos 40% dos alunos são atendidos por programas sociais
promovidos pelo governo, alunos com histórico de violência vindos de medidas sócioeducativas, o prédio é tão apertado que os estudantes não possuem pátio escolar para
conviverem durante o momento do intervalo. Como você imagina o clima de uma escola
assim? Provavelmente, não dos melhores. Mas, você pode se surpreender. GESTÃO
ESCOLAR conversou com alunos e professores de três instituições de ensino com
situações bem parecidas com a descrita acima e descobriu como, por meio do diálogo,
elas se tornaram referência e orgulho para a comunidade escolar.
Conversando sobre tudo
Em Campinas, no interior paulista, a EMEF Dr. João Alves dos Santos, têm se dedicado a
dar voz aos estudantes e incentivá-los a serem promotores de uma cultura de paz dentro e
fora da escola. A unidade de período integral, que atende estudantes de todo o Ensino
Fundamental em uma região periférica da cidade, possui 40% dos alunos do Ensino
Fundamental 1 e 28% dos estudantes do Ensino Fundamental 2 atendidos por programas
sociais do governo. Há 3 anos foram implementadas as equipes de ajuda na escola.
Formadas por dois representantes de cada turma, elas são pessoas de confiança dos
próprios alunos. “Os estudantes escolhem pelos critérios de confiabilidade e
confidencialidade. Nós entendemos que há lugares e situações em que não estamos
presentes e que os jovens não se sentirão confortáveis em conversar conosco. É nesse
momento que entram as equipes”, explica o coordenador pedagógico José Luiz Pastre.
A ideia dessas equipes é fazer com que alunos que se isolam encontrem uma turma. Outro
propósito é evitar e intervir em situações de bullying. A professora Telma Vinha, da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que nessas situações a intervenção
entre pares é muito mais eficiente do que a de um adulto. Após a eleição, os alunos tiveram
a formação durante um sábado inteiro na unidade escolar. Nesse dia eles conversaram
sobre a importância de ser confiável, como reconhecer comportamentos que indiquem que
o aluno está passando por algum problema, os procedimentos que poderiam ser adotados
em determinadas situações, como abordar o colega e em quais situações é necessário
procurar a ajuda de um adulto entre outras questões. A formação prosseguiu de maneira
continuada com encontros periódicos da turma para discutir o andamento das coisas, tirar
dúvidas e se ajudar mutuamente.
Claro que essa é uma ação isolada que não responde sozinha pelo clima positivo que a
escola apresenta. Entre as iniciativas está a criação de um plano de convivência em que
toda a equipe se reuniu para diagnosticar pontos sensíveis e criou estratégias para
solucioná-los. A escola ainda buscou parcerias com organizações não governamentais e
governamentais a fim de compreender melhor quem é a comunidade com a qual está lidando
e ainda trouxe a professora Thaís Cristina Leite Bozza, da Faculdade de Educação da
Unicamp, para desenvolver sua pesquisa de doutorado sobre violências virtuais com os
alunos de 9º ano da escola. “A escola João Alves se mostrou um terreno fértil para o
desenvolvimento desse trabalho, pois já atuava promovendo debates durante a disciplina de
Convivência Ética e assembleias. Ou seja, era um local onde eu sabia que seria possível
desenvolver um diálogo produtivo sobre violência online”, explica a doutoranda.
Desde o segundo semestre de 2018, Thaís acompanha a turma promovendo discussões
semanais sobre assuntos que envolvem seu tema de pesquisa. Padrão de beleza exposto
nas redes sociais, a necessidade de like, a privacidade, o cyberbullying, as fake news são
alguns dos tópicos em pauta. Em geral, a professora traz um caso real a ser discutido por
toda a turma coletivamente. Na sequência, em grupos, os adolescentes analisam um caso
mais assemelhado ao cotidiano deles. Depois eles ainda pesquisam nas redes sociais
deles situações que já viram acontecer pensando nesses riscos e agressões a serem discutidas no encontro seguinte. Para encerrar, a professora faz uma abordagem teórica
sobre o assunto tratado e a turma pensa em estratégias que pode colocar em prática para
evitar tais situações.
Comunidade Ativa
Na EMEF/EJA Maria Pavanatti Favaro, também em Campinas, o espaço físico é restrito.
Não há pátio escolar, por exemplo. Mas, isso não é motivo para uma comunidade menos
afetiva e engajada. Muito pelo contrário, ali todos são ouvidos e participam do dia a dia das
atividades e decisões. “Além de iniciarmos parceria com a Unicamp para estudarmos o
clima escolar e desenvolvermos outras propostas, nós visamos utilizar as ferramentas
disponibilizadas pelos próprios governos federal e municipal em favor da construção de
uma comunidade democrática”, comenta o orientador pedagógico Robson Alexandre de
Morais.
Há oito anos, a unidade passou a oferecer atividades de contra turno por meio do
programa Mais Educação. Algumas das atividades realizadas chegaram a ser premiadas
como a Fanfarra e o grupo de hip hop dos estudantes. Essas ações foram o primeiro passo
para que a escola fosse vista como um polo cultural importante para a população do
entorno. Nesse período, a Comissão Própria de Avaliação (CPA), criada pela Secretaria de
Educação do Município de Campinas foi se fortificando na unidade. “Nós nos reunimos
semanalmente com os representantes de todas as turmas, professores, pais e funcionários
para avaliar o andamento da escola, fazer revisões e propor melhorias”, explica Robson.
Essas ferramentas funcionam baseadas em uma proposta pedagógica focada na relação
amistosa entre alunos e funcionários e a gestão democrática aplicada a todos os níveis.
Todas as turmas se reúnem três vezes por mês para rodas de conversa sobre temas de
sua escolha que envolva convivência e uma vez por mês realiza assembleias, por
exemplo. Quando as decisões tomadas nas assembleias de turma envolvem o contexto
escolar mais amplo, elas vão para a assembleia geral. Recentemente, os alunos votaram
pela ampliação do horário de intervalo e criaram um projeto de intervalo participativo. Por
sugestão dos professores, a proposta foi inscrita no Prêmio Atitude Educação Feac e com
o valor da premiação estão sendo comprados jogos, revistas, entre outros materiais para
levar o projeto adiante. Uma das atividades propostas ficou tão famosa que alguns
estudantes do 1º ao 5º ano têm comparecido no horário de contra turno para participar
dela. “O xadrez se popularizou de uma maneira que eu não imaginava e eu fico
emocionado de ver os alunos mais velhos ensinando os mais novos a jogar”, afirma o
professor de Matemática Edson Dias dos Santos.
Apesar de ter havido um grande corte no repasse de verbas do Mais Educação, a escola
tem sempre se reinventado no intuito de envolver a comunidade. Atualmente, há uma
competição anual em que uma das provas é a arrecadação de alimentos. “Cada grupo de estudantes recebe dez cópias do memorando da escola com todas as informações sobre a
competição e a pontuação dos alimentos. No horário de contra turno eles batem na porta
das casas do bairro pedindo que as pessoas contribuam com eles”, conta Edson. Ao final,
são montadas cestas básicas a serem entregues para famílias com menor condição
financeira e que, em muitos casos, são de alunos da própria escola. Edson conta que a
experiência sempre o comove. “No ano passado, o menino disse a mãe que finalmente o
papai Noel tinha chegado a casa deles e eles poderiam fazer uma ceia de Natal. Sempre
que me lembro dessa cena, me emociono”, conta.
Aprendizagem Cooperativa
O Espaço Cooperativo de Aprendizagem Horizonte, em Poços de Caldas, Minas Gerais,
nasceu da necessidade de atender estudantes acima de 15 anos com defasagem de três
anos ou mais e ainda aqueles que estão cumprindo medida sócio-educativa. Atualmente a
unidade atende 60 estudantes que são agrupados em três turmas independente do ano
letivo. “Durante as avaliações diagnósticas percebemos que as dificuldades eram as
mesmas, independente do ano em que estavam. Além disso, agrupados dessa maneira,
eles não ficam se comparando porque todos são iguais”, comenta a coordenadora Flávia
Camargo.
O formato da unidade é inspirado em pesquisa da professora Díaz Aguado, da
Universidade de Barcelona, na Espanha, trazida pela secretária de Educação da cidade,
Flávia Vivaldi. “Fizemos um grupo de estudos com os professores que atuam na escola por
cerca de quatro meses para podermos aplicar a metodologia de aprendizagem cooperativa
com nossas turmas”, explica a secretária. As turmas estudam os conteúdos necessários a
partir de temas de interesse deles mesmos. Do mesmo modo que decidem o que
estudarão, também são eles que discutem e escolhem as regras de convivência da escola
e foram eles que optaram por mudar o nome da escola no ano passado, por conta do
trabalho diferenciado que é desenvolvido ali.
Além da autonomia e participação oferecida aos estudantes, a unidade conta com o apoio
de alunos de Psicologia que realizam uma terapia em grupo semanalmente com os
adolescentes. “Percebemos que um dos fatores mais importantes era resgatar a
autoconfiança desses jovens que já não acreditavam em si, no seu potencial e tinham
vergonha de seu nível de aprendizagem”, comenta a coordenadora. Pensando de maneira
integral nos estudantes que recebem, a coordenação da escola entendeu que era
necessário agir em várias frentes.
O resultado tem se mostrado em alunos que saíram do projeto para ingressar no Ensino
Médio, um ganho de autoestima e, principalmente, a crença na escola renovada. Em uma
das atividades realizadas com os alunos, eles produzem uma linha do tempo de suas
vidas. Um dos adolescentes indicou a volta para a escola como um marco na vida dele. No final do ano, os jovens escrevem uma avaliação de como foi a experiência na escola e é
comum que eles usem expressões do tipo “foi a melhor escola em que já estudei”, como
escreveu o aluno Gabriel Lucas Pelegrino da Silva, ou que “é uma escola diferente em que
a gente tem mais liberdade”, como afirmou o estudante Lucas Henrique Fernando Alves.
Nenhuma ação produz um bom clima escolar sozinha. Por esse motivo é que a professora
Telma Vinha recomenda o Plano de Convivência. “A única maneira de fazer ações
assertivas é realizando um bom diagnóstico e desenvolvendo uma série de estratégias
que, em conjunto, curtirão o efeito necessário. É preciso planejar a abordagem a ser
realizada e não ficar somente em atividades e projetos isolados”, explica. Desse modo, não
há escola impossível de se promover uma boa convivência entre pares e entre equipe e
alunos. O que há é um trabalho longo a ser percorrido, mas que já se mostrou bastante
frutífero.
Fonte: https://gestaoescolar.org.br/conteudo/2145/como-instaurar-um-bom-clima-escolarem-regioes-vulneraveis - Acesso em 02 Jul.2019
QUESTÕES PARA REFLEXÃO
O texto acima trata do clima nas escolas pela perspectiva da relação entre os alunos,
convido você para fazer uma relação com o ambiente organizacional, ou seja,
transpor os aspectos apresentados para a realizada das relações entre os
funcionários de uma organização que pode ser uma escola, uma indústria, um
comércio ou uma prestadora de serviço tanto publica quanto privada. Neste sentido,
a partir da leitura do texto, quais são os principais problemas enfrentados no ambiente
escolar? Eles também podem acontecer nas relações entre os funcionários de uma
organização? Como?
Alguns problemas apresentados no texto são: situações de bullying, violência on - line. Essas
situações podem também ocorrer no ambiente de trabalho e em algumas situações o bullyng
poderá se configurar como uma situação de assédio moral. A violência on-line também pode
ocorrer no ambiente de trabalho, nas redes sociais, nos grupos de WhatsApp, por exemplo,
e são violentos quando veiculam conteúdos preconceituosos, muitas vezes na forma de
brincadeiras.
Como os problemas elencados acima prejudicam o clima no ambiente escolar entre
os alunos e como pode prejudicar o ambiente de trabalho?
O clima pode ser prejudicado de diferentes maneiras como por exemplo: levar algumas
pessoas a se isolarem; levar ao ocultamento de problemas que precisam ser tratados para
serem resolvidos; favorecer a violência entre as pessoas.
A cultura, tanto de um povo como de uma organização, é composta pelas crenças (o
que as pessoas acreditam), valores (o que é valorizado), hábitos e rituais. Portanto a
cultura influencia diretamente o clima. Neste sentido quais as crenças, valores,
hábitos e rituais descritos no texto que podem contribuir para a melhoria do clima?
Existem vários exemplos no texto como:
Crenças: acreditar que há lugares e situações em os educares não estão presentes e que
os jovens não se sentirão confortáveis em conversar com eles.
Hábitos: Implementação das equipes de ajuda na escola, formadas pelos próprios alunos.
Valores: valorizar as pessoas isso é evidente quando, por exemplo, valorizam a intervenção
entre pares, ou seja, entre os alunos acreditando que eles podem buscar soluções para os
problemas enfrentados.
Rituais: Reuniões semanais com os representantes de todas as turmas, professores, pais e
funcionários para avaliar o andamento da escola, fazer revisões e propor melhorias.
O aluno pode citar outras iniciativas apresentadas no texto.
O texto trata também de algumas ferramentas utilizadas para a gestão do clima?
Quais são elas e qual o objetivo de utilizá-las?
As principais ferramentas de gestão são aquelas relacionados ao diagnóstico da situação,
com o objetivo de analisar a situação e propor soluções adequadas a cada contexto e
situação. No ambiente organizacional a ferramenta de diagnóstico do clima é a pesquisa de
clima organizacional.