Você sabia que cada país é soberano e pode estabelecer livremente em sua legislação quais as exigências para alguém adquirir sua nacionalidade? Ou seja, o país é livre para determinar a partir de quais critérios ele vai entregar a nacionalidade nata. Em outras palavras, o país pode optar pela adoção do jus soli (critério territorial), do jus sanguinis (critério sanguíneo) ou mesmo de um critério misto que misture os dois anteriores.
O que foi que a nossa Constituição Federal de 1988 fez? Ela adotou como regra para a aquisição da nacionalidade primária o critério territorial. Para impedir, no entanto, que os filhos de brasileiros nascidos no exterior dependessem unicamente da boa-vontade da legislação dos países estrangeiros para não ficarem apátridas, optou, em certos casos e de forma secundária, pela adoção do critério sanguíneo (que sempre será associado a algum outro, pois, sozinho, nunca será suficiente para a aquisição da nossa nacionalidade primária).
Veremos, a seguir, quais são as hipóteses que permitem a aquisição da nacionalidade originária brasileira. Em outras palavras: como alguém pode se tornar brasileiro nato? Já te adianto que existem 4 caminhos, distribuídos pelas alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do art. 12, I, CF/88.
(i) 1º caminho: o critério territorial
O que diz nossa Constituição Federal no art. 12, I, ‘a’?
Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
O critério territorial determina que será brasileiro nato o indivíduo que nascer no território nacional, independentemente da nacionalidade dos seus pais. Deste modo, como regra, qualquer pessoa nascida em nosso território, pouco importando se os pais são nacionais ou estrangeiros, será considerada brasileira nata.
Eu adquiri a nacionalidade brasileira primária em razão deste critério: sou brasileira nata porque nasci no território da República Federativa do Brasil! Imagino que você seja nato pela mesma razão, correto?
Agora um alerta muito importante: este critério não traz uma regra absoluta! Ou seja, nem todos os nascidos em nosso território serão brasileiros natos! Por que não? Ora, porque o critério territorial comporta uma exceção, não sendo aplicado no seguinte caso: se o indivíduo nascer em nosso território, mas for filho de (ambos) pais estrangeiros e qualquer deles (ou ambos) estiver no Brasil a serviço do país de origem, ele não receberá a nossa nacionalidade originária.
Aqui eu te peço para observar um detalhe muito importante: a não incidência do critério territorial depende da presença de dois requisitos que são cumulativos (os dois devem estar presentes):
(i) os dois pais devem ser estrangeiros; E
(ii) qualquer um deles, ou ambos, deve estar na República Federativa do Brasil a serviço do país de origem (e não a serviço de uma empresa privada, ou por interesses pessoais).
Vamos aos exemplos, para você verificar se, de fato, compreendeu o critério territorial. Pensemos juntos nas soluções jurídicas dos seguintes casos:
(i) Imagine que um casal de italianos, Stefano e Valentina, esteja no Brasil em férias no litoral nordestino. Estando Valentina com uma gravidez já bastante avançada, suponha que eles resolvam esticar a temporada praiana e aguardem em território nacional o nascimento do bebê (chamado Camilo). Quando Camilo nascer, será considerado brasileiro nato? Claro que sim! Afinal, apesar de ambos os pais serem estrangeiros, nenhum deles está na República Federativa do Brasil a serviço da Itália (país de origem). Camilo é, portanto, brasileiro nato pelo critério territorial (nasceu em nosso solo e a excepcional hipótese, que afasta a incidência do jus solis, não incidiu).
(ii) Pensemos agora, em outro cenário. Suponha que um casal de estrangeiros, esteja no Brasil em razão de Marcelo Moreno compor o corpo diplomático da Bolívia. Sua esposa, Inês Pedriel, argentina, está grávida e aqui nasce o filho deles, Juanzito. Neste caso, muito embora tenha nascido em território brasileiro, Juanzito não será nato, pois é filho de ambos os pais estrangeiros e um deles está no Brasil a serviço da Bolívia.
(iii) Como terceiro caso, vou trazer um bem complexo, que, imagino, vá gerar em você alguma dúvida! Suponha que um diplomata inglês esteja no Brasil a serviço do seu país de origem e aqui conheça Anitta, brasileira. Juntos eles têm um filho, que nasce em nosso território, enquanto o pai presta serviços à Inglaterra. Pergunto: essa criança é brasileira nata? Claro que sim. Afinal, apesar de o pai ser estrangeiro e estar em nosso país a serviço do país dele de origem, a mãe é brasileira. E é bom lembrar que o critério territorial só pode ser excepcionado se dois requisitos estiverem presentes: (1) os dois pais devem ser estrangeiros e (2) ao menos um deles (ou ambos) deve estar no Brasil a serviço do país de origem. No caso narrado neste item, somente o requisito (2) foi cumprido, o (1) não (já que a mãe Anitta, é brasileira).
(ii) 2º caminho: o critério sanguíneo associado ao critério funcional
O que diz nossa Constituição Federal no art. 12, I, ‘b’? Vejamos:
I - natos: b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; Veja que a alínea “b” da nossa Constituição estabelece que serão brasileiros natos os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer um deles esteja no exterior a serviço da República Federativa do Brasil. O texto constitucional abraçou, nesta alínea, o critério sanguíneo associado ao critério funcional: um dos pais (ou ambos) será brasileiro, e qualquer um deles (ou ambos) deverá estar no estrangeiro a serviço da República Federativa do Brasil – o que significa desempenhar uma função ou prestar um serviço público de natureza diplomática, administrativa ou consular, a quaisquer dos órgãos da administração centralizada ou descentralizada (como as autarquias, as fundações e as empresas públicas e sociedades de economia mista) da União, dos Estados-membros, dos Municípios ou do Distrito Federal. Vamos exemplificar, para facilitar sua compreensão. Imagine que um brasileiro tenha ido para o exterior ser embaixador do Brasil no país X e lá tenha tido um filho com uma estrangeira. A criança será brasileira nata pois é filha de pai brasileiro que está no exterior a serviço da República Federativa do Brasil. Por outro lado, se os dois pais são brasileiros mas foram para o exterior em busca de melhores condições de trabalho (isto é, por interesses pessoais) a criança lá nascida não será brasileira nata pela alínea ‘b’ (podendo ser brasileira nata pela alínea c, como veremos a seguir). (iii) 3º caminho: o critério sanguíneo associado ao registro O que diz nossa Constituição Federal no art. 12, I, ‘c’-1ª Parte? Vejamos:
Nesta 1ª parte da alínea “c”, determinou nosso texto constitucional que será brasileira nata a criança que nasce no estrangeiro, filha de pai ou/e mãe brasileiros, desde que seja registrada em repartição consular brasileira competente (associação do critério sanguíneo + registro). Neste caso, um dos pais (ou ambos) tem a nacionalidade brasileira, mas não está no exterior a serviço da República Federativa do Brasil: deve então registrar a criança em repartição consular competente para que ela adquira nossa nacionalidade nata. Muito cuidado com questões que digam que a criança nascida no exterior, filha de pai brasileiro/mãe brasileira (ou ambos brasileiros), registrada em repartição consular competente é brasileira naturalizada. Não, não é. É nata, ora! Pois preenche os requisitos para adquirir nossa nacionalidade primária. (iv) 4º caminho: o critério sanguíneo associado ao critério residencial e a opção confirmativa O que diz nossa Constituição Federal no art. 12, I, ‘c’-2ª Parte? Vejamos:
Na 2ª parte da alínea ‘c’, nossa Constituição prevê a seguinte situação: a criança nasceu no exterior, é filha de pai ou mãe (ou ambos brasileiros), mas nenhum dos pais estava no exterior a serviço do nosso país, tampouco registraram a criança na repartição consular competente. Assim, a única maneira de essa criança se tornar brasileira nata é vir a residir na República Federativa do Brasil e optar, após atingir a maioridade, pela nacionalidade brasileira. Aqui temos a associação do critério sanguíneo + critério residencial + opção confirmativa. Vamos exemplificar. Suponhamos que uma criança seja filha de mãe brasileira (que estava no exterior estudando) e pai estrangeiro, e que não tenha sido registrada em repartição consular competente. Com 10 anos de idade essa criança começa a residir no Brasil. Até aqui, ela já cumpriu dois dos três critérios: o sanguíneo e o residencial. Quando atingir a maioridade poderá comparecer perante a Justiça Federal art. 109, X, CF/88) e optar pela aquisição da nacionalidade brasileira, cumprindo o terceiro critério, que é a opção confirmativa. Para aplicar este caminho de aquisição da nossa nacionalidade, você deve dar atenção a dois pontos: (i) O critério residencial se efetiva a qualquer tempo. Ou seja: o filho de brasileiros nascido no exterior pode vir residir em nosso país menor de idade, ou já maior de idade, pois não fará diferença, uma vez que o critério residencial pode ser cumprido a qualquer momento, com qualquer idade. (ii) (ii) Por outro lado, a realização da opção confirmativa, por ser um ato personalíssimo (isto é, só pode ser praticado pela própria pessoa), somente pode ser realizada após a maioridade e, segundo entendimento do STF, muito embora seja voluntária (o sujeito fará a opção pela nacionalidade brasileira só se quiser), não é de forma livre: há de ser feita em um processo judicial que tramita perante a Justiça Federal. Um questionamento interessante que surge nesse momento é o seguinte: “E se essa criança, que nasceu no exterior e é filha de brasileiros que lá não estavam a serviço da República Federativa do Brasil vier a residir em nosso país enquanto é menor de idade e ainda não pode fazer a opção confirmativa? Ela será tratada de que forma? Considero esta uma indagação muito interessante! Ora, como ela ainda não pode fazer a opção (porque é menor de idade), tampouco seus pais podem supri-la (porque é uma escolha personalíssima), ela será considerada brasileira nata para todos os efeitos até os dezoito anos. No entanto, assim que atingir a maioridade, enquanto não for efetivada a sua opção, a condição de brasileira nata ficará suspensa (a opção passa a ser uma condição suspensiva da nacionalidade). Ao fazer a opção, ela confirmará a nacionalidade, que foi adquirida quando houve o cumprimento do critério residencial (a fixação da residência no país é o fator gerador da nacionalidade). Dito de outra forma, para o menor de idade que cumpre o requisito residencial (ou seja, que vem morar em nosso país) será concedida uma nacionalidade primária provisória, que ficará suspensa a partir da maioridade, quando a opção (dotada de efeitos retroativos) já pode ser feita. Aí, se o indivíduo quiser optar, ele pode: basta comparecer à Justiça Federal e tornar definitiva sua nacionalidade brasileira originária (nata). Se não quiser adquirir nossa nacionalidade, é só não comparecer à justiça federal e não fazer a opção. Bom, feita a análise do 4° caminho, encerramos as hipóteses de aquisição da nacionalidade brasileira primária/originária. O esquema posto abaixo, vai lhe ajudar a fixar as informações essenciais que foram transmitidas neste item. Vamos conferir? |
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